Uma ação civil pública (A) movida em 2019 pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT), Ministério Público Federal em Mato Grosso (MPF-MT) e Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MP-MT) contra a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) e Associação Mato-Grossense do Algodão (Ampa), que busca proibir o uso do glifosato no estado, chegou a um novo patamar de discussão no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-23).
O TRT-23 instaurou um Incidente de Assunção de Competência (IAC) em maio deste ano para debater a “amplitude da legitimidade iva nas ações duplamente coletivas”. A questão central é definir se os efeitos de uma eventual decisão judicial poderiam alcançar todos os produtores rurais de Mato Grosso, representados pelas associações e federação que figuram como rés na ação.
Outro ponto crucial em debate é a possibilidade de a Justiça do Trabalho decidir sobre a proibição do glifosato nos contratos de trabalho, mesmo que o produto tenha seu uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Para enriquecer o debate e obter diferentes perspectivas sobre o tema, o TRT-23 publicou um edital convocando entidades e indivíduos interessados a se manifestarem no prazo de 15 dias. Os participantes podem apresentar documentos e requerer diligências que ajudem a esclarecer as questões jurídicas em disputa, inclusive manifestando interesse em atuar como amicus curiae (amigos da corte).
Os Ministérios Públicos enfatizaram a importância dessa medida para garantir a participação da sociedade civil e da comunidade jurídica na formação de um precedente qualificado sobre o tema. “Com isso, pluraliza-se o debate, com possível fornecimento de informações e perspectivas por parte da sociedade e da comunidade jurídica, qualificando a decisão a ser tomada”, afirmaram em nota.
Alegações sobre os malefícios do Glifosato 39535
Na ação, os MPs argumentam que mesmo com a adoção de todas as medidas de segurança preconizadas para o manuseio do glifosato, como capacitação, observância de rótulos e bulas, uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e vestimentas adequadas, estudos científicos demonstram a impossibilidade de garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores rurais a longo prazo. As autoridades alertam que o glifosato pode não apenas causar intoxicações agudas, mas também contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas e outros problemas de saúde.
Além disso, os Ministérios Públicos apontam que a utilização do glifosato em sistemas abertos, como a agricultura, torna inviável qualquer controle efetivo da contaminação, afetando a água, o solo, o ar e os ecossistemas de forma difusa e indeterminada. “De forma difusa e indeterminada, os consumidores e os trabalhadores são expostos a esses venenos, que, de modo geral, estão presentes na alimentação da população e no ambiente de trabalho do agricultor”, reforçam.
Pedido de autocomposição e precedentes internacionais 2or1y
Diante da ampla utilização do glifosato na agricultura de Mato Grosso, os Ministérios Públicos propam uma solução de autocomposição da lide, sugerindo o estabelecimento de metas de redução progressiva do uso do herbicida. Essa atuação é defendida como uma medida de precaução, baseada em robusto material científico, incluindo estudos da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), que classificou o glifosato como provavelmente carcinogênico.
Os MPs também citam a Convenção 170 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que permite a proibição ou restrição de substâncias perigosas, reforçando a legalidade de seu pedido. Eles alertam para os graves impactos do uso indiscriminado de agrotóxicos na saúde humana e no meio ambiente, mencionando as diversas condenações da Monsanto/Bayer nos Estados Unidos em ações movidas por pessoas que desenvolveram câncer associado ao glifosato, com indenizações bilionárias e milhares de processos pendentes.
“A Justiça tem uma decisão a tomar. Acolher o pedido dos Ministérios Públicos para, ao menos, mitigar e neutralizar parcialmente o aparecimento de doenças crônicas como o câncer, ou se contentar a, no futuro, proferir várias condenações em virtude de danos à saúde já materializados”, ponderam as autoridades, questionando a necessidade de inúmeras vítimas comprovarem os danos causados pelo glifosato para que sua proibição seja considerada.